O MEDO DA INTERIORIDADE
Esse medo ocorre principalmente com os rapazes, que são reféns de grupos que lhes oferecem um sentimento de inclusão, em que se "garantem" e se controlam uns aos outros. Pois além dos pais temerosos de que os livros levem seus filhos longe demais, além dos professores que nem sempre conseguem transmitir que ler não significa necessariamente submeter-se a um sentido imposto, além disso tudo existem os amigos. E os comportamentos de fracasso ou de rejeição à escola, ao conhecimento, à leitura, constituem uma armadura que eles confundem com virilidade, e são reforçados pelo desejo de não serem rechaçados pelo grupo. Um assistente social contou-me que no bairro em que trabalhava, quando um rapaz se sentia tentado a se aproximar dos livros, os membros de seu grupo lhe diziam: "Não vá. Você vai perder a sua força".
Freqüentemente, nos meios populares, o "intelectual" é considerado suspeito; é colocado de lado como um pária, considerado um "puxa-saco", maricas, traidor de sua classe, de suas origens etc. Muitos sociólogos e escritores têm relatado isso em diferentes países. Inclino-me a pensar que se trata de algo amplamente compartilhado, para além das fronteiras, mesmo que, naturalmente, as variações culturais sejam importantes. Darei alguns exemplos, pois é preciso conhecer muito bem essa forma
de resistência para, eventualmente, poder ajudar os jovens a contorná-la.
Acompanhemos o escritor Andrei Makine: a história se passa na Rússia; o narrador é um adolescente interno em um pensionato e que gosta muito de ler:
"A sociedade em miniatura de meus colegas me reservava, seja uma condescendência absorta (eu era um 'imaturo', não fumava e não contava histórias obscenas em que os órgãos genitais masculinos e femininos eram os principais personagens), seja uma agressividade cuja violência coletiva me deixava perplexo: eu me sentia muito pouco diferente dos outros, não acreditava que eu merecesse tanta hostilidade. É verdade que eu não me extasiava diante dos filmes que sua minissociedade comentava durante os recreios, não diferenciava um time de futebol do outro, dos quais eram torcedores fanáticos. Minha ignorância os ofendia, viam nela um desafio. Atacavam-me com suas ironias, com seus punhos".1
Acompanhemos agora o escritor Paul Smail, que descreve o pátio de recreio de uma grande escola de Paris. O narrador é de origem kabila:
"Comecei a lutar boxe aos treze anos. Estava na 8a série do Jacques-Decour [trata-se da escola] e, a cada recreio, me cobriam de socos. E na saída me tiravam tudo: meu gorro, minha jaqueta, minha mochila... Por quê? Porque eu era
1 Le Testament français, Paris, Mercure de France, 1995, p. 139.
o mais jovem, justamente, e tinha as melhores notas. Porque as meninas gostavam de mim. Porque eu lia o tempo todo. Porque não me sentia desonrado em responder quando o professor interrogava a classe. Porque um dia, o professor de francês leu minha redação para toda a classe, usando-a como modelo. Porque, como meu pai, eu achava importante falar corretamente [...]. Quando vejo no jornal da TV uma notícia sobre o genocídio que os Hutus cometeram contra os Tutsis, eu revejo o pátio da escola Jacques-Decour".2
Vejam agora os adjetivos atribuídos pelos alunos de escolas técnicas ou profissionalizantes na França, ao aluno que gosta de ler: é um "palhaço", um "pretensioso" de óculos, "filhinho (ou filhinha) de papai", um desajeitado, sem personalidade, alguém que acredita ser melhor que os outros, um doente, um tapado, um solitário, um chato etc. Como disse François de Singly, o sociólogo que comenta essa pesquisa: "Basta escutar a descrição de um aluno que gosta muito de ler feita por seus colegas de um curso de contabilidade, para entender que, se existe um jovem como este, vive escondido".3
De fato ele se esconde. O sociólogo Erving Goffman, em seu livro Stigmate, nos dá mais um exemplo, desta vez na Inglaterra, de um "bandido" que se esconde de seus conhecidos para ir à biblioteca: "Eu ia a uma biblioteca
2 Vivre me tue, Paris, Balland, 1997, pp. 26-7.
3 Les Jeunes et la lecture, Ministère de l'Éducation Nationale et de la Culture, Dossier Éducations et Formations, 24, jan. 1993, p. 124.
pública perto de onde morava e olhava para trás duas ou três vezes antes de entrar, só para estar seguro de que não havia ninguém que me conhecia nas redondezas e que poderia me ver naquele momento".4
Nos meios populares, mas não só neles, existe a idéia de que ler efeminiza o leitor. Num livro intitulado Psiu, que trata do amor pela leitura, escrito por Jean-Marie Gourio, o pai do narrador, que até então nunca havia tocado um livro, um dia compra um pequeno tratado médico. E ei-lo caminhando pelas ruas, não sabendo como carregar esse objeto insólito:
"esse pequeno livro de poucos gramas lhe pesava na extremidade do pulso e lhe deixava a nuca tensa, sendo que ainda mancava um pouco em conseqüência de seu ferimento; com seu livro, papai dava a impressão de ser um verdadeiro inválido! E logo — faltavam apenas trinta metros a percorrer — sentiu-se aliviado de poder colocar sua aquisição sobre o balcão. Parecia até que tinham lhe pedido que caminhasse de vestido e salto alto!".5
O narrador, por sua vez, que se apaixonou por uma bibliotecária e se deixa levar pelos devaneios, pelas metáforas, observa: "Antes, nunca tinham me ocorrido semelhantes excentricidades; eu mesmo teria me chamado de maricás".
4 Stigmate: les usages sociaux des handicaps, Paris, Minuit, 1975, p. 13 [ed. original: Stigma: Notes on the Management of Spoiled Identity, 1963].
5 Chut, Paris, Julliard, 1998, p. 54.
Essa associação entre o fato de se aproximar dos livros e o risco de perder a virilidade pode ocorrer diante de tudo o que é escrito e que apresenta o risco de influenciar o leitor, ainda que de forma momentânea: esses rapazes confundem deixar sua carapaça de lado por uns minutos e se precipitar num abismo de fraqueza. Mas isso fica particularmente claro no caso de leituras que têm muito a ver com a interioridade. Para os rapazes, não é fácil aceitar que haja neles um espaço vazio em que se pode acolher a voz de um outro; e esse tipo de leitura pode ser percebido, inconscientemente, como algo que os expõe ao risco de castração. A passividade e a imobilidade que a leitura parece exigir podem também ser vividas como algo angustiante. De fato, abandonar-se a um texto, deixar-se levar, deixar-se tomar pelas palavras, pressupõe talvez, para um rapaz, ter que aceitar, que assimilar seu lado feminino. Se isso é algo relativamente fácil nas classes médias ou em um meio burguês — onde existem outros modelos de virilidade, onde a cultura letrada é reconhecida como um valor —, é particularmente difícil em um meio popular, onde os rapazes se mantêm sob estreito controle mútuo.
Os conflitos socioculturais podem reforçar ou mascarar os medos mais inconscientes: esses rapazes talvez não suportem a dúvida, a sensação de carência que acompanha todo aprendizado, e se sintam perseguidos por palavras que os remetem a interrogações arcaicas, à morte, ao sexo, aos mistérios da vida, à perda.
Não esqueçamos a antiga associação entre o livro, o conhecimento e os mistérios do sexo. Encontramos, aliás, sinal disso no fato de que muitas vezes obtemos os primeiros conhecimentos sobre o sexo no dicionário. Se a curiosidade foi por muito tempo considerada um defeito, isso não deixa de ter relação com o fato de que, segundo a psicanálise, a pulsão de conhecimento se origina na curiosidade sexual da infância. De maneira mais precisa, a curiosidade consiste, num primeiro momento, em saber do que é feito o interior do corpo e, por excelência, o interior do corpo materno. Melanie Klein e James Strachey, por exemplo, mostraram que havia uma equivalência para o inconsciente entre os livros e o corpo materno. Melanie Klein escreveu: "Ler significa, para o inconsciente, tomar o conhecimento do interior do corpo da mãe [...] o medo de despojá-la é um fator importante nas inibições em relação à leitura".
Alberto Manguei também reconhece isso em sua História da leitura, quando diz:
"O medo popular do que um leitor possa fazer entre as páginas de um livro é semelhante ao medo intemporal que os homens têm do que as mulheres possam fazer em lugares secretos de seus corpos, e do que as bruxas e os alquimistas possam fazer em segredo, atrás de suas portas trancadas".
Se estou indo um pouco longe, é justamente para que sintam que a leitura não é uma atividade anódina à qual,
freqüentemente, alguns gostariam de reduzi-la. E para dizer também que é possível ajudar os jovens a superarem esses medos: por exemplo, na França, o psicoterapeuta Serge Boimare reconcilia os rapazes com a leitura apresentando-lhes mitos, contos, poesias, metáforas, que enriquecem seu imaginário, graças aos quais eles podem filtrar esses sentimentos inquietantes que a leitura e as situações de aprendizagem despertam neles e que paralisam seu pensamento. Ao ler para eles a cosmogonia de Hesíodo, os contos de Grimm ou os romances de Júlio Verne, Boimare lhes permite simbolizar fantasmas muito arcaicos. Assim, sua necessidade de controle e de domínio, sua rigidez, dão pouco a pouco espaço para movimentos psíquicos.
Alguns rapazes fazem, espontaneamente, uma escolha diferente da virilidade gregária: uma escolha pela busca de si mesmos. Fiquei particularmente surpresa com o número de rapazes que me disseram gostar de ler ou escrever poesia. Mas é claro que não comentam com seus amigos, para evitar a repressão que sofre todo aquele que é "estudioso". É o caso de Nicolas, que diz:
"Se pensamos: 'esse aí vai gozar de mim...', isso mostra como a vergonha tem um peso muito grande sobre a leitura e a escrita. São coisas reservadas para uma elite. Tenho um amigo que adora frequentar galerias de arte e com ele acontece a mesma coisa: se vai ao clube de esportes, vai guardar isso pra si, não vai falar disso com
ninguém... Abrir-se com os outros é cruel demais... A quantidade de gente que lê e que nunca fala disso é enorme".
Na realidade, nos meios populares, não é qualquer rapaz que vai seguir o caminho da leitura. Com freqüência é aquele que, por alguma razão, se diferencia do grupo. Ouçamos novamente Nicolas:
"Não acho que eu seja do tipo que fica vagando pelas ruas. Nunca me integrei ao grupo, porque não tinha a noção de grupo [...]. Foi por isso que fui obrigado a sair da escola. Dois deles me causaram problemas. Fui mais forte que eles, porém todo o grupo caiu em cima de mim, e eles eram cinqüenta pessoas. Não tive escolha: deixei a escola, deixei os amigos, eu sentia muito medo".
Vamos ouvir agora Jacques-Alain, que é um leitor assíduo: "Sempre fui um menino solitário e diferente, voltado para dentro [...]. Meus amigos eram os livros". Ou Roger, num outro contexto, o do campo. Roger é um agricultor autodidata:
"De onde me vem esse amor pelos livros? Sabe, aos vinte anos, eu caminhava pela vila, tentava passar desapercebido, não dizia bom-dia a ninguém. Eira muito tímido. Voltado para dentro. Nunca joguei futebol, detesto o bar. Gostava de andar de bicicleta, por quê? Como explicar... Não sei. De qualquer maneira, sempre gostei de ler".
Para terminar, ouçamos Richard Hoggart, um intelectual originário das classes populares inglesas, que escreveu sua autobiografia:
"Precisava descobrir algo por mim mesmo, desviar-me do caminho traçado, realizar minhas próprias descobertas, encontrar minhas próprias inspirações, fora daquilo que os professores propunham e muito além do que diziam a maior parte de meus colegas. Esse caminho passava pela biblioteca municipal...".
A individualização e a leitura caminham juntas, mas talvez a leitura pressuponha, ao menos para os rapazes, uma saída prévia do grupo, ou uma dificuldade em fazer parte dele ou, ainda, um desejo de diferenciar-se dele. E essa diferença é, em seguida, encorajada, elaborada, de maneira decisiva, pela leitura.
Vamos observar que isso pode ocorrer também, em menor proporção, para as meninas. Como ocorreu com Lea, uma jovem de dezessete anos, oriunda do Zaire, que vive na periferia parisiense: "Eles, eles andam em grupo. Eu, ao contrário, quando venho à biblioteca, venho sozinha. Prefiro fazer minhas coisas sozinha, não tenho espírito de coletividade".
Mesmo entre aqueles que frequentam bibliotecas, há alguns que só vão em grupo para fazer suas tarefas, e que nunca tomarão gosto pela leitura ou descobrirão algo por si mesmos. Enquanto há outros que algum dia irão se
aventurar sozinhos entre as estantes. Por que, então, alguns permanecem sempre colados aos outros sem que jamais lhes ocorra abrir um livro, enquanto outros traçam um caminho singular em direção à leitura? Por um lado, é uma questão de temperamento pessoal; por outro, existe o pressuposto de que o jovem usuário de uma biblioteca tenha uma autonomia que, na realidade, espera-se que tanto a leitura como a biblioteca ajudem a construir. Porém, elas podem apenas encorajar, contribuir para isso. Se a leitura e a biblioteca ajudam muito quem tem vontade de mudar, de se tornar diferente, de "desviar do caminho traçado", isso é muito mais incerto para quem está pouco seguro desse desejo.
Dizendo de outra forma, a leitura pode reforçar a autonomia, mas o fato de alguém se entregar a ela já pressupõe uma certa autonomia. A leitura ajuda a pessoa a se construir, mas pressupõe, talvez, que ela já tenha se construído o suficiente e que suporte ficar a sós, confrontada consigo mesma. Em termos psicanalíticos, a leitura ajuda a elaborar a "transicionalidade", para usar a expressão de Winnicott, porém pressupõe que se tenha tido acesso a essa transicionalidade, que se tenha saído do estado da "fusão".
Para ler livros e, mais ainda, para ler literatura — que é algo que perturba, que põe em questão a segurança, as relações de pertencimento —, é necessária uma estruturação mínima do sujeito? Que margem de manobra dispomos para atrair as pessoas para a leitura, jovens ou menos jovens, que necessitam de uma identidade feita de
concreto armado (pela falta de uma verdadeira segurança em relação à identidade)? Não sei, seria preciso refletir mais sobre isso com psicanalistas e psicólogos.
Se não se pode trabalhar nesse sentido, então teremos, na maior parte do tempo, dois caminhos: alguns vão escolher o espírito de grupo viril, e terão medo do encontro consigo mesmo que a leitura implica, medo da alteração que ela acarreta e da carência que ela pode significar; e outros vão escolher um caminho singular. Evidentemente, um homem que não tem medo de sua própria sensibilidade me parece muito mais maduro, mais humano, que aqueles que se deslocam em hordas, alardeando ruidosamente a força de seus músculos. Não escondo minha preocupação ao observar que na França, segundo pesquisas recentes, a divisão entre rapazes e moças tem se acentuado no que toca à leitura: três quartos dos leitores de romances hoje em dia são leitoras. Então, o que fazer para que os rapazes tenham menos medo da interioridade, da sensibilidade?
Como lhes transmitir, em particular, a experiência de outros homens que nela encontraram dimensões infinitamente desejáveis? Como o escritor Jean-Louis Baudry, que escreveu um belo texto sobre sua relação com a leitura — e com as mulheres —, do qual extraio algumas frases:
"A leitura me parecia uma atividade especificamente destinada às mulheres, como, por exemplo, a dança. Os homens só participavam dela na medida em que esta os conduzia mais diretamente às mulheres. Ler um livro era
se fazer de cavalheiro a serviço dos prazeres de sua dama, que eram, antes de tudo, prazeres de expressão. A leitura era tão feminina que feminilizava aqueles que, como meu pai, entregavam-se a ela. Feminilizava-os a ponto de torná-los capazes de refletir a luz dessas virtudes que as mulheres resplandeciam, virtudes associadas ao exercício e ao domínio da linguagem: inteligência, sutileza, fineza, imaginação, e o dom que elas pareciam possuir de enxergar além das aparências. Mas sobretudo, e talvez um pouco paradoxalmente, a leitura constituía um dos atributos da autonomia que eu lhes atribuía".
Uma vez mais, a leitura se vê associada às mulheres. Mas, para esse escritor, longe de torná-la desprezível, ao contrário, é o que constitui seu encanto, seu atrativo.
Eis aí, portanto, um certo número de "materiais" sobre o medo em relação ao livro. Eu os levei a passear por muitos lugares — dos campos franceses às margens da Arábia, dos fantasmas arcaicos às plantações escravagistas, e imagino que já devam estar mareados. Assim, sem ter a pretensão de dizer a última palavra sobre tudo isso, pois a questão é imensa e permanece aberta, o que podemos observar se nos esforçarmos em recapitular um pouco? Haverá algo em comum, claro que em graus muito diferentes, entre os fundamentalistas religiosos, os rapazes preocupados com a perda de sua virilidade, os pais que temem perder o controle sobre seus filhos etc. Etc.?
Talvez seja o temor de perder o domínio sobre algo. O medo de se ver confrontado com a carência, com a pluralidade de sentidos, com a contradição, a alteridade, de se perceber múltiplo. O medo de ver a identidade desmoronar, quando esta é vista como algo monolítico, imutável, total. Ou talvez seja, ao menos, a dificuldade de passar de um modo em que a identidade é vivida como uma entidade fixa, preservada por um alto grau de oclusão diante do outro, para um modo no qual a identidade é concebida mais como um processo, um movimento, e o outro é visto como uma possibilidade de enriquecimento.
Aquele que fica à distância dos livros teme perder alguma coisa, enquanto o que se aproxima deles sente que tem algo a ganhar. O primeiro teme se confrontar com uma carência, que tenta negar com todas as suas forças. O segundo acredita que, por meio dos livros, e em particular da literatura, poderá, ao contrário, apaziguar seus medos. E o que diz o escritor italiano Alessandro Baricco:
"A literatura deve ser um meio para que possamos enfrentar a tristeza da realidade, os nossos medos e o silêncio. Ela deve tentar pronunciar palavras, pois temos medo do desconhecido e do inominável. Acredito que todas as histórias — tanto as minhas como as de outros escritores — são apenas elaborações linguísticas complexas que tentam dar um nome a nossas feridas, a nossos medos, tornando-os, deste modo, menos assustadores. É o imenso valor ético e civil das narrações
[...]. Se muitas pessoas leem meus livros, é porque sentem, como eu, medo da realidade, ainda que não tenham consciência disso. [...] Se conhecemos o que nos assusta, podemos enfrentá-lo. Nomear é conhecer. Portanto, os escritores nos ajudam a dominar nossos medos. Pessoalmente, prefiro a dominação das narrações à dominação exercida pela ciência, a filosofia ou a religião. No filósofo, no erudito ou no padre, há sempre uma espécie de autoridade que não se encontra no escritor".6
Além do mais, quem evita os livros vê neles algo de desencorajador, de austero, distante da vida. Enquanto o leitor sabe que eles podem ser uma fonte de infinito prazer. E para dar um pouco mais de leveza, gostaria de dizer que aqueles que tiveram acesso aos livros evocam, antes de tudo, o prazer de ler. Darei a palavra a eles antes de continuar a percorrer os caminhos pelos quais nos tornamos leitores.
Alguns falam da leitura como um exercício vital ("se a pessoa não lê, morre; ler alimenta a vida"), ou como uma história de amor, de amor à primeira vista. Estes se deixam tocar, invadir pelo texto, se entregam a suas aventuras, se abandonam à alteração: "Kundera mudou minha maneira de ler", conta-nos uma jovem.
6 Magazine Littêraire, fev. 1998, p. 81.
"Eu o reli e dessa vez ele me transformou completamente. Deixei de me perguntar o que pensava, ou sobre o que estava ou não de acordo; ele me surpreendia, às vezes me chocava, e a partir disso se deu uma nova descoberta da leitura e dos livros. Já não se tratava de autores e de idéias que podiam me agradar, mas sim do fato de que podiam me trazer algo de diferente".
A leitura pode ser um caso de paixão que não espera, como ocorre com essa mulher, mãe de três filhos, que diz: "Se é realmente apaixonante, me envolvo e não importa que meus filhos gritem, tenham fome, não tem problema: preparo-lhes um ovo frito e volto correndo para minha leitura". E aqueles que amam ler encontram caminhos alternativos que lhes permitem entregar-se a essa paixão, como este agricultor:
"Você sabe, eu e minha mulher tivemos sete filhos; isso é algo que realmente mantém uma pessoa ocupada. Minha esposa ajudava na igreja, ensinava o catecismo. Sempre encontramos um jeito de dividir o trabalho, nós nos virávamos. Então, não me venha com essa história de 'não tenho tempo'. Isso não existe. Quando queremos nos organizar, nós conseguimos".
Para essas pessoas, o gosto pela leitura toma muitas vezes a forma de uma incorporação ávida, de uma questão oral. Vejamos algumas expressões que apareceram nas
entrevistas: "ler até ficar saciado", "devorei tudo", "saboreei", "é como uma guloseima", "é algo saboroso, saboroso", "queria saborear tudo", "têm aqueles que assaltam a geladeira, eu assalto a biblioteca" etc. Com muita freqüência, a intensa necessidade de leitura, a incapacidade de liberar-se dela, faz com que seja comparada a uma droga. Como diz essa mulher: "Os livros são como uma droga. Se não lemos, podemos morrer. Meu marido leu toneladas de livros, leu todas as bibliotecas da cidade, sempre leu e continua lendo o tempo todo. E uma doença. Lia até enquanto comia, não fazia outra coisa".
http://efp-ava.cursos.educacao.sp.gov.br/Resource/601469,A74/Assets/lingport/pdf/mgme_lingport_m3t17.pdf
Nenhum comentário:
Postar um comentário